Centenário de Dom Oscar de Oliveira

Mariana, metrificada em sua clássica lírica, sustém enaltecido o estandarte primaz das Gerais, quando eram os começos fincadouros de algum prelado por cá.

Sua história conhece o alvorecer das conglomerações que a fizeram inaugural cidade e sede do primeiro bispado no ciclo do ouro, tempos de Dom Frei Manuel da Cruz, principiando a catedral episcopal nas Minas.

Nos versos e reversos da história o esplêndido barroco, emoldurado pelo expressivo latim, com perspicácia, acolheu o descortinar de incontáveis horizontes abertos pelo desenvolvimento protagonizado pelos arautos da chama da fé em plagas mineiras.

Lá pelos idos da sabedoria mesclada de cultura aliada à práxis, quando fluía a mais cristalina convicção de que a inteligência resplandece ao unir-se à abnegação altruísta, nos laboratórios do esmero e do amor irrestrito ao ser humano, a sabedoria proclama um nome: Dom Oscar de Oliveira.

O Cidadão

Sendo o terceiro dos treze filhos do casal José Esteves de Oliveira e Judith Augusta Ferreira, Dom Oscar nasceu em nove de janeiro de 1912, na simpática Entre Rios de Minas.

Terminados seus estudos no Grupo Escolar Ribeiro de Oliveira, menino ainda ingressou no Seminário de Mariana, em 1925, pelas mãos do seu virtuoso pároco, Padre Rodolfo Pena. Nove anos depois, o então Arcebispo, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, o enviou a Roma, em outubro de 1933, para aperfeiçoar sua formação acadêmica. Na Universidade Gregoriana concluiu o quarto ano de teologia e ingressou na Faculdade de Direito Canônico, doutorando-se nesta matéria ao defender, summa cum laude, a 16 de fevereiro de 1938, a tese sobre os “Dízimos Eclesiásticos do Brasil nos Períodos da Colônia e do Império”.

Ainda em Roma, recebeu a Ordenação Presbiteral pelas mãos de Dom Giuseppe Pallica, a 27 de outubro de 1935. Celebrou sua primeira Missa nas Catacumbas de São Sebastião, às margens da Via Appia e a última, em Oratório Particular, na véspera de seu falecimento, liturgia da Transfiguração do Senhor, em sua terra natal – Entre Rios de Minas – onde passou a residir, ao se tornar Arcebispo Emérito de Mariana. Na madrugada daquela segunda-feira de 24 de fevereiro de 1998, quando o servidor bom e fiel foi chamado à presença do Senhor.

Os contemporâneos de Dom Oscar nos tempos de Seminarista em Mariana e mesmo no Pio Brasileiro, bem como todos que conviveram com o Professor de Direito Canônico no Seminário São José de Mariana e, posteriormente no ministério episcopal são unânimes em atestar que ele “sabia levar a tudo e em toda a parte, sob o disfarce da alegria e do bom humor, o senso da responsabilidade e o desejo de fazer bem aos outros” (Padre José Dias Avelar, CM in DE DELICTIS ET POENIS, página 5. São Paulo, Indústria Gráfica José Magalhães Ltda., 1950).

O Pastor

Do começo ao fim de seu ministério tanto presbiteral quanto episcopal, Dom Oscar de Oliveira é sempre um brilhante e dedicado mestre. Concluídos seus estudos em Roma, antes, porém, de sua partida, recebe em 22 de fevereiro de 1933, homenagem de seus pares e mestres que lhe dedicam uma sessão lítero-musical, numa demonstração do elevado apreço que possuíam por ele.

De volta ao Brasil, a primeira incumbência que lhe é conferida é a de professor nos seminários maior e menor de Mariana. Soube implementar em suas aulas as inovações que assimilou na Europa. Como entusiasta do saber incutia nos alunos o gosto pelo aprendizado. Seu carisma conjugava com maestria a profundidade do que ensinava com a leveza de histórias jocosas e anedotas que despertavam o humor dos alunos de direito canônico, história da Igreja, latim, dentre outras matérias que lecionou.

Por dez anos, como Cura da Catedral Basílica, foi um Pároco de uma liderança inestimável junto às associações religiosas, além de promover uma completa reorganização dos arquivos da paróquia.

Em 1954, o Santo Padre Pio XII o nomeou bispo auxiliar de Pouso Alegre. A ordenação episcopal ocorreu na Sé, em Mariana, presidida por Dom Helvécio Gomes de Oliveira, tendo como consagrantes Dom Daniel Neves e Dom Rodolfo Pena, seu antigo Pároco. Após um ano de permanência no sul de minas, tornou-se bispo coadjutor e administrador sede plena daquela Igreja Particular, ocasião em que concluiu as obras da Catedral, construção do novo seminário e fez visita pastoral a todas as paróquias durante os quase cinco anos que ali se dedicou. Aos 31 de janeiro de 1959 foi nomeado Arcebispo Coadjutor e Administrador “Sede Plena” de Mariana. Aos 25 de abril de 1960, tornou-se ARCEBISPO METROPOLITANO DE MARIANA, onde durante vinte e oito anos exerceu profícuo pastoreio.

Dom Oscar de Oliveira cumpriu de modo exemplar seu apostolado episcopal em Mariana. É extensa a lista dos benefícios que prestou à Arquidiocese: Criou duas novas Dioceses – São João Del Rei e Itabira; Erigiu mais de trinta paróquias, sagrou e benzeu uma centena de igrejas e altares, construiu o prédio de um novo Seminário, escolas e hospitais em expressivo número; a Cripta na Catedral Basílica, onde jazem os restos mortais dos Bispos e Arcebispos de Mariana; restaurou o melodioso órgão da Sé, vindo da Alemanha do tempo de Dom Frei Manoel da Cruz; Abriu quatro novos museus, dentre eles, o de Arte Sacra que é um dos melhores do País; Criou a Rádio Congonhas, a Emissora do Senhor Bom Jesus; fez circular semanalmente o jornal “O Arquidiocesano”; Ensinou como Professor, Escritor e Poeta; Foi um dos Padres Sinodais do Concílio Ecumênico Vaticano II; Conferiu o Sacramento da Ordem a seis Bispos e a mais de cem Padres; soube ser Amigo Pastor, fazendo um bem incomensurável a todos; cultivou a esperança e o otimismo a partir de um coração que transbordava amor a CRISTO, MARIA E PEDRO.

Depois de todo o empenho apostólico em obediência as normas canônicas que tanto prezou, Dom Oscar repassa o báculo a Dom Luciano para que prossiga conduzindo o Rebanho do Senhor, aos 28 de maio de 1988. Sempre alegre ele brincava: “agora vou rezar e pescar!”. Em sua terra natal ele usufruiu digno e merecido descanso, como Arcebispo Emérito.
O Literato

Tendo recebido esmerada formação acadêmica, sob a orientação da Congregação da Missão e da Companhia de Jesus, Dom Oscar de Oliveira soube assimilar o amor aos livros. Em estilo clássico, revestido por uma linguagem escorreita, Dom Oscar de Oliveira publicava semanalmente vastos temas em “O Arquidiocesano”. Éramos seminaristas quando acompanhávamos suas pregações quaresmais na Catedral da Sé em Mariana. O arcebispo fazia questão de proferir seus sermões tendo em mão o exemplar do hebdomadário. Fazia gosto apreciar a vasta e profunda erudição que exalava do púlpito daquelas décadas inesquecíveis.

Seu doutorado em Direito Canônico, summa cum laude, a 16 de fevereiro de 1938, na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, deu-se através da tese sobre o duplo padroado exercido pelos reis e imperadores no Brasil: o régio e o da Ordem de Cristo, ao qual está ligado a história do dízimo em nossa Pátria, versando sobre os “Dízimos Eclesiásticos do Brasil nos Períodos da Colônia e do Império”.

No prefácio da publicação de sua tese, Dom Oscar presta reconhecimento a dois nomes, em especial:

  1. O Senador do Império, Cândido Mendes de Almeida, (ancestral de seu sucessor no arcebispado de Mariana – Dom Luciano Mendes de Almeida), destacando que fez um grande bem à Igreja com sua obra: “Direito Civil e Eclesiástico Brasileiro”, onde pacientemente compilou muitos e importantes documentos pontifícios e civis referentes à Igreja no Brasil.
  2. Cônego Raimundo Trindade, (tio de nosso prezado Presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Dr. Jésus Trindade Barreto), pela sua obra vultosa “Arquidiocese de Mariana”, que ofereceu-lhe preciosos subsídios. (Os Dízimos Eclesiásticos do Brasil, página 13).

Ao longo de sua vida, Dom Oscar jamais deixou de estudar com a disposição de um aprendiz. Legou-nos preciosas publicações.

  • De Delictis et Poenis. 1951. 500 páginas sobre o Livro V do CIC;
  • Nossa Senhora das Brotas, seu culto em Portugal e no Brasil;
  • Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe dos Homens;
  • A Fé
  • Santíssima Eucaristia, Inefável Mistério da Fé
  • Sagrado Coração de Jesus
  • A Família
  • Moinho d’Água
  • Estância de Saudades

Fundou o jornal O ARQUIDIOCESANO. Poemas em suas visitas pastorais. Pelas montanhas de Minas descobriu encantos e enlevos para sua alma. A solidão não habitava seu ser, pois ele o povoava de versos e rimas.

Na área da educação, obras importantes contaram com o empenho de Dom Oscar, como a fundação dos educandários: Ginásio Dom Frei Manoel da Cruz, em Mariana, Ginásio Nossa Senhora das Brotas, em Entre Rios de Minas e o Ginásio Estadual Dom Silvério de Mariana. A fundação da Faculdade de Filosofia de Mariana e da Universidade Católica também foi possível graças ao empenho do Arcebispo. Sua atuação foi destacada e fundamental para a Instituição da Universidade Federal de Ouro Preto, que mais tarde incorporou a Faculdade de Mariana, transformando-a no Instituto de Ciência Humanas e Sociais de Mariana, que contou com a sábia direção do Revmo. Sr. Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho.

No campo artístico-cultural, dentre outras iniciativas de Dom Oscar de Oliveira de inestimável valia, destacam-se:

  • Arquivo Eclesiástico de Mariana. Fundado em 1965, tornou mais eficiente a guarda e conservação dos importantes documentos e obras que compõem o acervo da Arquidiocese;
  • Museu Arquidiocesano de Arte Sacra. Acervo que reúne obras dos mais importantes períodos da arte mineira e de muitos de seus expoentes;
  • Museu da Música, que reúne importante conjunto de manuscritos, partituras e instrumentos musicais, tendo sido o primeiro do Brasil, dedicado à música nacional setecentista e um dos mais importantes do gênero no mundo;
  • Museu do Livro, que reúne o vastíssimo acervo de livros da Biblioteca dos Bispos e constitui uma fonte de valor imensurável para estudos e pesquisas históricas;
  • Museu dos Móveis, que guarda exemplares do mobiliário dos séculos XVII e XVIII;
  • Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese;
  • Fundação Marianense de Educação.

Doutor em direito canônico, poeta, historiador, escritor, humanista…

A Mensagem

Dom Oscar de Oliveira cultivou indescritível amor à língua pátria. Fazia questão de conversar em escorreita linguagem. Contava que alcançara tal proeza, através de um pedido feito ao seu cultíssimo colega de Seminário, o Cônego Nelson de Souza. Pediu-lhe o corrigisse toda vez que o apanhasse numa pronúncia incorreta ou incompleta de alguma palavra.

Seu irrestrito amor à Igreja só nos fez edificar a Catedral da fé na pessoa de seu representante visível, o Santo Padre. Testemunho estampado em sua preciosa obra sobre “Delitos e Penas” de todo um capítulo do Código de Direito Canônico, publicada para atender o pedido de seus alunos. É daquela ocasião sua missiva ao Padre Diretor da Cooperativa do Livro, onde deixa transbordar cultura e humildade: “Guardo no meu coração, fervorosamente, aquele largo amor filial a Roma e ao Sumo Pontífice, o qual Ele mesmo me aprofundou no espírito, durante os vários anos que vivi à sua sombra, pois é este o meu título de verdadeira alegria”. O que se confirma na justificativa de sua obra: “Ora, em vão exerceria a Igreja seu poder legislativo se também não exercesse seu poder judicial ou processual pelo qual são definidos os direitos duvidosos; em vão seriam constituídas as leis se a Igreja não pudesse urgir a sua observação por meio do uso do poder coercitivo ou penal”. (Cf. DE DELICTIS ET POENIS, páginas 9 e 11. São Paulo, Indústria Gráfica José Magalhães Ltda., 1950).

O dia 24 de fevereiro de 1997 tinha apenas clareado quando Estevão, seu sobrinho me ligou. Que dor! Perdemos um Pai Espiritual, um amigo tão querido! Em nossa conversa ficamos combinados: Vou levar rosas para cobrir aquele corpo querido. Deveria ser eu que as levasse. Deveriam ser mesmo rosas, as flores que ornariam seu esquife. Gesto simbólico de dupla reciprocidade da amizade, do carinho e do reconhecimento por tudo. E é tanto!

Do outro lado do telefone aquela voz meio da terra e mais do céu: A LOLA… “Coitado! Fico satisfeita que o Sr. vai até lá. Eu vou ficar daqui rezando. Nós somos a família dele. Todos nós devemos muito a Dom Oscar!…”

Os Bispos, Sacerdotes, Religiosas, Seminaristas e todo o povo de Deus em Entre Rios de Minas celebraram as exéquias fazendo a festa da entrega de seu mais valioso DOM OSCAR DE OLIVEIRA! Ele é a nossa maior bênção!

Em Mariana? Meu Deus é até difícil explicar o que vivemos naquela Cidade… Foi lá que ele passou a maior parte de sua belíssima vida. Mariana e Dom Oscar se misturaram em esplendor e dignidade! Nem era uma despedida. Era uma imersão completa no seio daquela terra… Daquele povo… De sua historia… Daquele barroco cheio de ricas mensagens de quantas vidas que por ali passaram. Nos altares de Mariana agora foi incrustada mais uma jóia. E que jóia de rara preciosidade!

Não só os entalhes do barroco e o dourado do ouro destas Gerais… Os altares da fé de uma multidão de seus filhos espirituais que lhe serão sempre gratos. Não apenas ali… A bem da verdade, espalhados por tantos lugares, cultivando valores que Dom Oscar nos transmitiu. Dentre todos os tesouros que nos legou, um é maior: ensinou-nos a Amar. Amar a Cristo, amar Nossa Senhora, amar a Igreja feita por uma multidão de seres que precisam ser acolhidos, estimados e compreendidos como testemunhou nosso querido Arcebispo.

Ajudei a depositar seu esquife no local aonde tantas vezes o vi apalpar com as duas mãos e a sorrir dizer: “É aqui que eu vou ficar…” Morreu despojado de bens materiais, testemunhando amor aos pobres. Seus únicos bens que restaram: uma chácara, doada em testamento para a Sociedade São Vicente de Paulo e a casa onde ultimamente residia, doada ao Hospital de sua querida Entre Rios de Minas.

Após a leitura de seu testamento, o último carinho: um fax chegado do Vaticano dando saber que o Santo Padre, o Papa João Paulo II tomara conhecimento da morte de Dom Oscar e manifestava na ocasião profundos sentimentos de pesar, enquanto recordava sua grande contribuição para o crescimento da Igreja Católica.

Um comentário

  1. Em sua infinita bondade e misericórida, Deus concedeu à Arquidiocese de Mariana , este grande e dileto Pastor. D. Oscar , viveu a fé como
    poucos , dedicado à formação de um clero equilibrado , responsável e
    unido ao seu Pastor.Depois dele, a Arquidiocese de Mariana , embora ‘
    prestigiada por insgnines nomes do Episcopado , não é mais a mesma.
    D.Oscar é destas temperas que não se encontra mais . Homem da palavra,
    homem da ação, homem da fé IPSA DUCI . Que Deus possa prover a Igreja de dignos e responsáveis pastores com o mesmo espírito e disciplina de D.Oscar. Que a igreja de Mariana , possa reencontrar-se com sua história, com seu estilo próprio , que fez dela o celeiro vocacional de Minas. Que as saudades que sentimos de D.Oscar, dê a todos a esperança de uma igreja espiritualizada , uma igreja edificante e edificada . Fui coroinha de D.Oscar e até hoje guardo com respeito e carinho sua presença no coração de filho espiritual .
    Deus vos salve , devoto de Nossa Senhora das Rosas !

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