Os dois irmãos

No seu livro “Jesus de Nazaré” o papa Bento XVI tece comentário profundo sobre a parábola dos dois irmãos, ou seja, o filho pródigo e o que ficou em casa. Observa que alguns autores julgam que esta narrativa melhor seria designada como a parábola do Pai bondoso, figura também destacada por Cristo. Lembra que os Padres da Igreja bem atinaram com o pormenor de que o filho mais novo “vai para uma terra distante”, assinalando deste modo “o interior alheamento do mundo do pai – o mundo de Deus, a ruptura interior da relação, a extensão do afastamento do que é próprio e do que é autêntico”. O filho pródigo se mostra um dissipador, “esbanja a “sua essência”, a si mesmo”. Perde tudo e “aquele que se tornara totalmente livre, se torna agora escravo: guardador de porcos, o qual seria feliz se recebesse o comer dos porcos como alimento”. Exara então Bento XVI uma admirável reflexão sobre o mau uso do livre arbítrio: “O homem que entende a liberdade como radical arbitrariedade da própria vontade e do próprio caminho vive na mentira […] Por isso, uma falsa autonomia conduz à escravidão”. O papa patenteia então como foi dolorosa a peregrinação interior do filho pródigo até à “conversão”, até o retorno à casa do pai. De fato, a metamorfose se deu no momento em que o esbanjador iludido com os falsos prazeres reconheceu sua miséria interior e exterior e pôde, arrependido, exclamar: “Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti” (Lc 15,18). Reconheceu que estava num miserando abismo. Era preciso ter coragem para se erguer e reparar o erro diante de seu progenitor. Analisando a atitude paterna assim se expressa Bento XVI: “O pai “vê o filho de longe” e vai ao seu encontro. Ele ouve a confissão do filho e vê assim o caminho interior que o filho percorreu, vê que este encontrou a vereda da verdadeira liberdade”. Jesus salientou bem como o pai reconstitui o filho, assim arrependido, no seu status anterior: “Mas o pai falou aos servos: Trazei-me depressa a melhor veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés”(Lc 15,22). Comenta então o papa que Cristo nos dá uma visão de Deus sempre repleto de “compaixão”, mudando o castigo em perdão. Acrescenta, porém, que há, outrossim, uma cristologia implícita nesta atitude do Pai celeste, pois Jesus havia dito: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Ninguém pode, realmente, duvidar da bondade imensa deste oceano de infinito amor que é o Coração de Jesus, continuamente pronto a anistiar os pecadores arrependidos. Finalmente, Bento XVI faz uma análise da triste atitude do filho mais velho que ficou “muito zangado”. Faz uma queixa que revela toda sua revolta: “Ele, então, respondeu ao pai: Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir ordem alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos” (Lc 15,29). É que ele “não conhece a graça do que significa estar em casa, da verdadeira liberdade, que ele como filho tem”. Não entendia a grandeza da filiação e, por isto, “explicou-lhe o pai: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”.(Lc 15,31). Aqui vale uma viagem interior de cada um, indo lá dentro de si mesmo para verificar se, em toda sua plenitude, tem a verdadeira noção de ser filho de Deus com todas as dádivas que tem em seu derredor, dons do Pai Onipotente e Misericordioso. Como observa Bento XVI, nós que permanecemos em casa, que nos convertamos sempre a esta bondade divina e “estejamos alegres por causa da nossa fé”. Cumpre valorizar a paternidade de Deus. Nela confiar, superando todas as vicissitudes terrenas através de uma total entrega a seu amor sem limites. Nunca se refletirá demais sobre a gratuidade das graças recebidas. Elas são dons, favores, cuja única fonte é a soberania do amor divino. Esta dileção não é devida à criatura. É o resultado de uma iniciativa graciosa do Onipotente Senhor. É preciso, porém, que o cristão saiba ser agradecido, tendo em alto apreço as dádivas do Pai celeste.

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