Pregação: arma ou unção?

Por mais de um ano ajudei na Pastoral Carcerária de Viçosa, neste período o trabalho era realizado pela Renovação Carismática Católica. Nós íamos à Cadeia Pública todos os sábados pela manhã, lá cumprimentávamos os irmãos encarcerados e depois pegávamos a caixa de som, os microfones e começávamos algo parecido com um Grupo de Oração. As celas não eram abertas, ficávamos ali no pátio, quando tinha violão cantávamos, mas geralmente conduzíamos uma oração e depois líamos a Palavra e partilhávamos um pouco do que Deus queria dizer.

Quando alguém vai uma vez à cadeia, acha o trabalho difícil, pesado, tem medo e sai com o coração cheio, com um sentimento de ter cumprido a vontade de Deus: “Estive preso e me visitaste” (Mt 25,36). Mas quando vamos lá toda a semana, por um ano ou mais, levando a Palavra de Deus, as coisas mudam. O medo dá lugar ao amor, só por amor, e o sentimento de ter feito a vontade de Deus é substituído pela incerteza.

Durante o período em que ajudei na Pastoral Carcerária, não sei se Deus fez alguma coisa no coração daqueles homens, mas sei o que Ele fez no meu. Hoje ajudo no Grupo de Oração Resgate, às vezes chego para partilhar a Palavra e um ou outro fala para mim assim – tem que falar para perdoar – tem que falar para deixar as drogas – tem que falar que Deus ama – tem que…. Na minha escola, a Pastoral Carcerária, eu tinha que falar apenas o que Espírito Santo colocava no meu coração.

Na Pastoral Carcerária a gente era como um agricultor do nordeste brasileiro, íamos, jogávamos a semente e voltávamos para casa pensando: será que vai chover? Parecia que nada chegava àqueles corações, tivemos casos de conversões em Viçosa, mas a sensação era de uma total impotência. É difícil para uma pessoa acostumada a partilhar a Palavra nos Grupos de Oração, Círculos Bíblicos ou outros lugares em que as pessoas saem de suas casas para ouvir, rezar, participar. Nestes lugares temos uma resposta muito rápida, seja em olhar nos olhos dos ouvintes, nas pessoas que nos procuram para falar do que Deus fez através desta ou daquela partilha. Na cadeia eu fiz a experiência de preparar a Palavra e na hora de partilhar, preso gritando na grade de sua cela, xingando outros presos, acusando outros e eu continuar por aqueles que estavam dispostos a ouvir o que eu dizia. Ali, não apenas eu, mas todos nós sabíamos que nada do que disséssemos de nós mesmos convenceriam aqueles irmãos a mudarem de vida. Não éramos ingênuos, sabíamos também que se acontecesse uma rebelião, alguns não importariam em nos manter reféns. Então o que fazer?

– Depender totalmente do Espírito Santo.

Direcionar a Palavra para conversão, não convenceria. Dizer que Deus ama, eles não tinham experiência de amor. Falar que Jesus morreu pelos nossos pecados, eles não tinham consciência de pecado. Esta situação fez com que vivêssemos apenas como instrumentos, um objeto da Graça de Deus que queria chegar àqueles corações.

Algumas pessoas falam com muita propriedade, que nós não fazemos nada é Deus quem faz, mas na primeira oportunidade quer falar algo que humanamente pensa que vai servir para aquela pessoa que está sentado no banco ouvindo. Palavra de Deus não é arma, porque às vezes temos um microfone na mão e tempo para falarmos sozinhos sem que ninguém nos interrompa, não quer dizer que vou falar aquilo que quero. Mas quando, mesmo conhecendo a situação de pecado ou doença, deixo que o Espírito Santo dê direção ao que digo no microfone, troco a arma pela unção.

Poderia falar aqui de várias coisas que já aconteceram que confirmam isto, mas a que mais me marcou, foi uma vez no Grupo de Oração Santo Antônio, em Ubá. O Grupo começou e a coordenadora sumiu, às vezes passava agitada pelas laterais da Igreja (ela tentava desesperadamente desligar o alto falante). Partilhei a Palavra, rezamos, cantamos e no final do Grupo abrimos espaço para algum testemunho. Um homem que nunca vimos no Grupo se levantou e disse: ‘eu saí de casa e já ia para o bar, quando ouvi no alto falante alguém rezando resolvi entrar na Igreja, o que ouvi aqui nunca mais vou esquecer’.

Imaginem se eu tivesse usando a Palavra de Deus como arma para falar algo, que eu julgasse necessário, a uma única pessoa? As pessoas não fazem isto por mal, não é ruim a gente julgar que aquela minha prima com depressão precise ouvir que Deus a ama, mas se não for pelo Espírito não vai chegar nem ao coração dela e nem ao do outro que Deus havia determinado uma Palavra diferente. É assim que a pregação da Palavra perde seu poder e o Espírito diz “Não temas! Fala e não te cales” (At 18,9b).

Não nos cabe julgar se este ou aquele precisa ouvir isto ou aquilo, não somos nós quem define os caminhos do Espírito Santo, Ele é este “Vento Impetuoso’ “ouvimos seu ruído e não sabemos de onde vem e nem para onde vai”. Em quais corações vai chegar a Palavra de Deus, não somos nós que determinamos. A nós apenas a obediência, ao Espírito a direção.

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